quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Congalices

Um Breve Ensaio Sobre a Vida Africana

As páginas do diário geralmente versam sobre lugares turísticos e aprazíveis, e as invariáveis besteiras que eu faço nesses locais. Bom, Congo não é aprazível, não é turístico e se bobear nem é um local, é uma rachadura no espaço-tempo que me trouxe pro mundo de Bizarro. Mas mesmo assim, resolvei escrever uma página sobre as coisas por aqui – UMA SÓ!

Espremido entre Angola, Gabão e a República Democrática do Congo, antigo Zaire, está este pequeno país que atende por República do Congo. Poderiam deixar apenas Congo, ou nem isso, mas aparentemente o povo da África gosta da palavra “república”, mesmo que não tenha muita certeza do que significa, e nomear um país apenas “República de” ia ser estranho, então meteram um “Congo” depois.

Eu estava em Cape Town e de lá viria para Pointe-Noire. Um vôo reto, levaria, sei lá, umas quatro horas. Mas pra fazer um vôo reto você tem que apresentar sua carteira de trabalho tendo baixa na categoria “CORNOS”. Como eu não satisfazia o requisito, fui presenteada com a sequência Cape Town > Johannesbourg > Nairobi > Brazzaville > Pointe-Noire. Este lindo labirinto do Fauno leva vinte e nove horas para ser concluído, se você tiver sorte e os aviões tiverem combustível.

Se alguém se lembra do meu comentário sobre o aeroporto de Moçambique, tenho algo a dizer: era primeira-classe se comparado ao de Brazzaville. E olha que Brazzaville é a majestosa CAPITAL do Congo! Seguem algumas fotos nesta página para dar uma idéia do luxo e decoração do local. Perdão pela má qualidade das fotos (e do aeroporto).







Depois de lutar bravamente pela minha bagagem, segui para o balcão da aerolinha que iria me levar de Brazzaville a Pointe-Noire – a espetacular TAC, Transportes Aéreos Congo.
A impressão que se tem quando se encontra finalmente o tal balcão é que “Transportes Aéreos” deve ser apenas uma homenagem singela a este meio de locomoção. Nenhuma mente com um mínimo de bom senso acredita que aquele seja o atendimento de uma companhia aérea – no máximo, é o caixa da vendinha do Zé.
Entreguei a impressão do meu comprovante da passagem, e aguardei meu ticket de embarque. A feira logo atrás de mim corria solta, e eu mais me sentia na rodoviária Novo Rio em época de Natal, com todas aquelas pessoas que embarcam para o Nordeste levando a vida embrulhada em caixas de papelão. A única diferença é que pelo menos a galera da Novo Rio tem o bom senso de não viajar com quilos de peixe fresco dentro de panelas com tampas amarradas.
Após vários minutos de espera (eu estava na dúvida se o atendente não conseguia ler meu passaporte por não saber inglês, ou por simplesmente não saber ler) finalmente ele me entrega algo. Mas em lugar de um ticket de embarque com número de vôo, horário de embarque e partida, e número de assento, ele gentilmente me entregou um boleto de um talonário escrito a mão, onde ele garranchou qualquer coisa que eu não consegui decifrar. Parecia mais um bilhete de rifa, e eu torci pra ganhar uma bicicleta.

Assim fui eu apresentada para o Congo. A primeira impressão é a que fica, como diria a Epson.

Os meses seguintes eu passaria a conhecer o país mais a fundo. Colônia francesa como a maioria dos países deste lado da África, apenas alcançou sua “independência” em 1960. Coloquei entre aspas, pois qualquer pessoa que venha aqui e veja que todas as grandes empresas e comércios pertencem a franceses, que a polícia congalesa é submetida às forças armadas francesas, que não há decisão política sem o aval da França, e que basta um francês falar alto para 10 congaleses se cagarem, sabe que não há independência aqui. Uma realidade que se mantém também graças à corrupção de todos os poderes aqui, e a um povo que pouco valoriza a própria raiz.

Uma visita ao museu da cidade tem menos atrativos históricos que um passeio pelo meu quarto, onde pelo menos vocês irão encontrar um monte de CD velho. O povo, ao ver seu país declarado independente, resolveu destruir todos os edifícios que haviam sediado qualquer parte do governo francês, e queimar documentos, quadros e qualquer referência à época de colônia. Interessante reação de revolta que apenas prejudicou ao seu próprio país, sem que nenhum francês tenha perdido o sono ou sequer o cochilo por conta disso.

A realidade do Congo não é uma exceção – digamos que se fosse escrever sobre todos os países africanos, com exceção da África do Sul, bastaria usar o recurso de “substituir” do Word pra mudar os nomes, e estaria tudo certo. Com pouca noção sobre a vida fora de seus quintais, a população não é exatamente um empecilho para governantes vitalícios explorarem terras e recursos, reunindo em bancos na Suiça fortunas que fariam nosso Collor de Mello parecer um ladrão de galinhas. A corrupção e a certeza de onipotência contamina todas as escalas de autoridade, do presidente do país ao mero policial da esquina, gerando esta gigante terra sem lei que se divide em diferentes países apenas pra ficar mais bonito no mapa-mundi.

Saúde não é exatamente uma prioridade, então doenças erradicadas em qualquer lugar civilizado aqui são ocorrências comuns. Pólio, sarampo, difteria, malária, cólera, entre outras, matam tão frequentemente que sequer aparecem nos jornais. E, claro, a AIDS é lugar-comum.

Como podem ver, não há muita coisa de aprazível no Congo.
Na próxima página, algumas aventuras vividas aqui. E as dicas.

Jaqueline Costa
Já pegou Malária

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Axé pra Todo Mundo

Diário em Velocidade Bahiana

Afinal, quem nasce na Bahia é baiano ou é bahiano?
Enfim... deixo a dúvida gentílica com vocês.

Os dias transcorriam com a calma bahiana (baiana?) tradicional, visse painho? E foi num desses preguiçosos dias que, entre uma cerveja e um mergulho, vemos três pessoas escolherem uma mesa perto de nossas espreguiçadeiras, tomarem assento e chamarem o garçom. Mais um grupo familiar, nada a acrescentar, não fosse a recomendação da senhora entre eles para o garçom, logo após eles pedirem a esperada cerveja:
- Meu filho, eu quero que você traga uma cerveja assim canela de pedreiro!!!
A curiosidade foi maior que o fato descartável de não fazermos idéia de quem eram... olhei pra dona e falei:
- Eu gostaria muitíssimo de entender o que é uma cerveja canela de pedreiro...
Ela riu alto. E entre a explicação (é aquela que a garrafa está BRANCA de tão gelada. Tal como a canela do pedreiro, branca de tanto cimento...) e as apresentações, começou uma grande amizade entre os grupos. Passamos o resto da manhã e início da tarde ali tomando cerveja, e combinamos de nos encontrar no jantar.
Combinado e cumprido. Nos encontramos para mais uma rodada de gargalhadas regadas a cerveja. O jantar terminou mas a vontade de rir não, então seguimos para o bar ao lado. Que fechou, mas havia outro. E entramos. E fechamos.
E assim fizemos todo o caminho de volta à pousada, apagando uma a uma as luzes dos barzinhos. Já era hora de ir dormir. Mas eis que ao lado da pousada em que a Paulixta e eu relaxávamos nossos corpitchos havia um restaurante. Que já estava fechado, e cuja dona e seus amigos tomavam juntos uma última cerveja na varada.
Para azar da dona, Julia, a filósofa que nos ensinou a sabedoria da cerveja canela-de-pedreiro, havia já almoçado ali e lembrava seu nome. Sem a menor cerimônia ou bom-senso, perguntou da rua:
- JOELMA, MINHA FILHA, EU QUERO UM CALDINHO! TEM UM CALDINHO, TEM?
Joelma também já havia substituído o bom-senso pelo teor alcoólico, e disse:
- TEM SIM. SUBA.
Foi a deixa para todos subirem. E a portas fechadas, terminar com o que ainda havia de cerveja no freezer de Joelma. E renovar as gargalhadas.
Como nossa missão havia terminado (e as cervejas), seguimos para a pousada e combinamos o jantar na noite seguinte. Que seguiu basicamente o mesmo ritual, porém para o outro lado da ilha. Na volta, parando novamente em cada bar para uma última cerveja, Misael, marido de Júlia, com sua calma e tranquilidade características e impressionantes, falava a cada parada:
- Julia, minha filha, vamos embora... são duas da manhã...
- Julia, minha filha.... são duas e meia....
E assim caminhávamos. E já estávamos perto da pousada e do restaurante de Joelma quando Julia resolveu que queria tirar uma foto de Misael em frente à pousada:
- Misael, meu filho, páre aqui!
Misael continuou caminhando.
- Misael., NÃO ESTRAGUE MINHA FOTO!
Nisso, Misael se virou. Voltou para nós e com o dedo em riste começou a falar:
- Eu vou explicar uma vez só...
Pronto, imaginamos Paulixta e eu, ele agora vai dizer ‘tô indo dormir, quem quiser que fique aqui, essa palhaçada já deu!’. Mas em lugar de um esporro, ouvimos do calmo e tranquilo Misael o seguinte:
- ...eu vou contar até 3, assim: 1, 2, 3... e vocês vão cantar “JO-EL-MA! CADÊ VOCÊ? EU VIM AQUI SÓ PRA TE VER!’
Nunca confiem nos quietinhos....


Novidade no Diário
É tanta gente me pedindo informação dos passeios que já fiz, que resolvi acrescentar em minhas páginas uma sessão de dicas, bizus, informações e afins.
Afins dumas cervejas.

Dicas
Para chegar à ilha há dois métodos básicos, de avião ou de catamarã. As duas empresas aéreas que teco-tequeiam até lá são a Addey e a Aerostar. Vocês podem consultar datas, preços e reservar online para qualquer das empresas em http://www.morrodesaopaulobrasil.com.br/portugues/aereo.htm.

Para quem não quer se arriscar numa van de asas, então o negócio é ir de tud-tud-tud. Os catamarãs para Morro Terminal Marítimo do Mercado Modelo de Salvador, e enfrentar duas horas de travessia, ou ir para Valença e pegar a lancha, em torno de 30 minutos. Claro que pra chegar ATÉ VALENÇA vai ser chão...

Já em Morro, a grande, mega dica é mesmo se estirar numa das espreguiçadeiras da primeira praia, curtir o sol, o mar, a cerveja gelada e os atendentes das barraquinhas, que além de figuraças também oferecem um serviço ímpar: se você estiver com muita falta de coragem (porque preguiça é uma coisa muito feia de se sentir) de caminhar até a água para se refrescar, os meninos gentilmente trazem a água do mar até você, usando regadores!

Mas não deixe essa mordomia engessar você. Há também o passeio de barco até a vizinha Boipeba, com paradas para relaxar e até conhecer uma cultura de ostras.

Reserve o dia de céu mais limpo para terminar sua tarde na Toca do Morcego. O visual de lá é definitivamente inenarrável, e um por-do-sol naquele ponto da ilha, seguido da costumeira roda de MPB, vale a subida até lá.

Para as outras noites, há sempre uma ou outra festa rolando na praia – nunca compre seu ingresso com o primeiro vendedor ou nas primeiras horas da praia. Conforme a noite chega, chegam também os abatimentos nos preços. E não esqueça de passar na praça da cidade e tomar um belo copo da Batida do Joe. Além da batida ser deliciosa, Joe e Roberto são duas simpatias!

E é isso. Num futuro próximo compilarei em uma página as dicas das viagens passadas. E daqui pra frente, cada destino novo virá com suas dicas inclusas!

Jaqueline Costa
Não ganhou nada pelo merchan

O Último Post...

...foi pra me lembrar disso - que eu não posso me acostumar.
Como quem mais lê esse blog sou eu mesma, tô usando como uma agenda agora.
Acostumem-se ;)

A Gente Se Acostuma

Marina Colassanti
Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos e não ver vista que não sejam as janelas ao redor. E porque não tem vista logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora, logo se acostuma e não abrir de todo as cortinas. E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, se esquece do sol, se esquece do ar, esquece da amplidão.

A gente se acostuma a acordar sobressaltado porque está na hora. A tomar café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder tempo. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E não aceitando as negociações de paz, aceitar ler todo dia de guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: “hoje não posso ir”. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisa tanto ser visto.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que se deseja e necessita. E a lutar para ganhar com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar nas ruas e ver cartazes. A abrir as revistas e ler artigos. A ligar a televisão e assistir comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição, às salas fechadas de ar condicionado e ao cheiro de cigarros. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam à luz natural. Às bactérias de água potável. À contaminação da água do mar. À morte lenta dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinhos, a não ter galo de madrugada, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta por perto.

A gente se acostuma a coisas demais para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta lá.
Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente só molha os pés e sua o resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem muito sono atrasado.

A gente se acostuma a não falar na aspereza para preservar a pele. Se acostuma para evitar sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito.

A gente se acostuma para poupar a vida.

Que aos poucos se gasta, e que, de tanto acostumar, se perde de si mesma

domingo, 14 de novembro de 2010

Fotos de Pointe-Noire





Minha idéia para o domingo era simples - andar de bicicleta, talvez parar para uma água no Twiga Club e escrever algumas linhas para o diário olhando o mar. Geralmente desses passeios saem meus melhores textos.
O dia havia amanhecido particularmente bonito, então resolvi também colocar minha câmera na camelbag pro caso de ver algo para registrar. E já no início do passeio, ao passar em frente aos correios, vejo um artista local expondo suas pinturas. O colorido fazia uma imagem tão legal, que parei para as primeiras fotos.
Foi quando me dei conta de que pouco havia fotografado aqui, em Pointe-Noire. E que embora esta não seja uma cidade que eu vá aconselhar ninguém a fazer turismo, ainda assim há coisas fotografáveis.
Resolvi então fazer meu safári fotográfico, tirar várias fotos para mais ou menos mostrar pra vocês como é a cidade.
Infelizmente o safári foi curto, um problema que vou contar em alguma página futura. Mas creio que minhas pretensões fotográficas, junto com minha paixão pelo ciclismo, ficarão na geladeira enquanto eu estiver por aqui.
Bem, espero que gostem das fotos!




Uma Emocionante Saga em Busca da Piada Perfeita

"As Páginas do Díário" surgiram meio por acaso, da união de minha paixão por escrever com a necessidade de responder a meus vários muitos amigos a eterna pergunta que não raro pululava em minha mailbox: "onde é que você tá, mulher?"
Pra não responder um por um, os relatos das viagens foram iniciados, e enviados para uma lista de amigos. Um interessante efeito bola-de-neve começou, com amigos mandando os textos para outros amigos, e a lista foi aumentando. Com tanta gente que nem me conhece querendo ler as besteiras que escrevo, só posso concluir uma coisa: como tem gente boba neste mundo! ! !
Para não correr o risco de perder os textos, resolvi colocar tudo na net, para referências futuras, que não serão aceitas como prova por nenhum juiz.
Claro que isto não significa que vou deixar de mandar as páginas do diário por email para meus diletos, seletos, concretos e infelizes leitores!

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