Alguém na Escócia esqueceu de pagar a conta do aquecimento global
Os britânicos sempre nos passaram a impressão de frios, impassíveis, sem emoção. Agora que estou no meio deles, vejo que não é bem assim. Na verdade, eles são extremamente passionais – mas só na hora de publicar notícias nos jornais.
Você conversa com eles e tem a nítida impressão de que está falando com a pia do banheiro – mais aí se dá conta de que não, a pia provavelmente mostraria mais reações. Mas se você resolve dar uma espiada no matutino, fica impressionada com a quantidade de pontos de exclamação e letras vermelhas garrafais usados nas manchetes – isso para lhe informar coisas como “Sarah Parker revela drama: ‘Devo minha vida a Scott McKay!!!’ “.
Abocanhada por essas palavras (e pelas letras vermelhas garrafais), você ávida lê a notícia – e descobre, só lá no segundo parágrafo, depois de uma torrente de frases dignas de uma novela mexicana, que Sarah Parker é uma das finalistas do “Dança no Gelo”, Scott McKay é o produtor do programa, e ela lhe deve a vida porque antes de ser convidada para o show estava devendo duas prestações do carro.
Resolvi tentar cortar o cabelo – começo a ficar parecida com um Iéti. Entrei num salão meia-boca, perguntei quanto custava um corte – um tantinho só, uns 3 ou 4 dedos. Sem demonstrar o menor medo de ser presa por atentado ao pudor, a moça me disse “noventa libras”.
O problema do inglês é que é uma língua muito, digamos, comercial. Tudo pela simplicidade. É ótimo como esperanto dos tempos modernos, mas sua falta de expressões e emoções às vezes é podante. Como naquele momento. Incapaz de expressar o que sentia no idioma do bardo, voltei-me para a língua pátria e, num português irretocável, virei para a atendente e disse: “nem fudendo”. A senhora, uma pobre ignorante da beleza da última flor do lácio, não pôde captar todo o significado de minha profunda frase, sendo fadada a apenas apreciar o melodioso som de minhas palavras.
A falta de expressão nesta língua está me tornando uma pessoa mais calada – sortudos esses escoceses! Aliás, não é só nisso que meus hábitos estão mudando. Se antes eu tinha pavor de lugares fechados (praticamente uma claustrofóba!), e pânico de ficar em casa e ir cedo pra cama (Freud explica), agora eu sou uma habitué de clubes, bares e qualquer outro lugar – meu quarto incluso – que mantenha as portas fechadas e o frio do lado de fora. Some a isso minha pele assumindo um tom pálido, os longos casacos com as golas levantadas pra criar uma pseudo-barreira ao vento, e os cachecóis escondendo parcialmente meu rosto, dá pra se imaginar que criatura soturna eu estou virando. Aliás, tenho um medo que me pélo de acordar pela manhã e descobrir que meus caninos estão crescendo!
Se bem que uma vampira vegetariana seria um ineditismo no mundo, hein? Se bobear eu viro série da Sony.
Jaqueline Costa
Ainda na busca de Willy Wallace, ou qualquer um que se pareça com Mel Gibson
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