Página Escrita num Salto Temporal
Que me perdoem os que gostam de tudo organizadinho, mesa limpa, gaveta de calcinhas arrumada e fotos organizadas por tema e data. Nada disso é meu forte, e a página sobre San Andres vai vir depois desta, que é mais atual. Resolvi contar sobre o trabalho que me mandaram, uma operaçãozinha onshore.
Pra quem não esta familiarizado com o fantástico mundo do petróleo, deixem-me fazer uma breve explicação sobre onshore e offshore.
Petróleo é um combustível fóssil com algumas características interessantes - é mineral, porém composto basicamente por moléculas orgânicas. Foi usado durante muitos anos apenas como combustível para lamparinas. É inflamável, obviamente, existe em uma gama variada de viscosidades e, o mais importante para nós, trabalhadores desta indústria, SÓ DÁ EM LUGAR FEIO.
As explorações em alto-mar requerem plataformas especialmente construídas para tanto - são as locações offshore. Por conseguinte, os trabalhos em sondas em terra são chamados onshore.
Trabalhos onshore não são meus favoritos. Basta pensar que, estando offshore, há todo um serviço de hotelaria para garantir que a plataforma não seja convertida no maior e mais custoso chiqueiro do planeta. Cuidado que não existe nas locações de terra. Estas, em geral, não são mais que um clarão aberto no meio do nada, com contêineres que servem de escritório, cantina, vestiário e, claro, banheiro.
Agora, imaginem esse aprazível cenário num dia chuvoso, lamacento, sem nenhuma mucama pra passar uma vassoura, e aquele monte de peão solto.
A visão do inferno.
Me mandaram para um desses trabalhos aqui na Grande Bethânia. Eu já tinha comigo essas desagradáveis impressões adquiridas em alguns trabalhos no Brasil, mas aqui pude acrescentar uma mais: um friaralho do carinho!
Voces irão então perguntar: mas não há aquecedor?
E há, claro. No contêiner que serve de escritório, na cantina improvisada...
Mas vocês acham que alguém iria lembrar do banheiro???
E nem adianta passar o dia bebendo pouca água pra evitar a necessidade de retocar a maquiagem da bexiga. Com uma média de 4oC durante o dia, nem cavalo na bunda sua, e a cada vinte minutos a natureza chama.
Meus países baixos estão tão congelados que eu poderia dizer que já conheço os efeitos do botox de retaguarda.
Assim passamos três dias num troca-troca de quarto absurdo, e os pobres que fazem turno tendo que revezar o uso da cama. Pelo menos me livrei disso, e também de dormir no salão de conferência, onde cinco de nós foram gentilmente acampados.
Para azar de quatro deles, um ronca absurdamente alto.
David, amigo e schub-boy, foi acomodado num quartinho de empregada. Que também foi usado pelos outros cinco do conference camping para tomar banho. Era praticamente um vestiário. Apertadim.
Meu único problema foi o cachorro que ocupava o quarto ao lado. Literalmente. O pobre latia pra qualquer barulho no corredor, e passou uma boa parte da noite ganindo por atenção.
Dia seguinte, nova troca de quartos. Me acomodaram num single-room que tem mais ou menos as dimensões de um quartinho de ferramentas. David conseguiu um quartinho mais digno para ele.
Desci para pedir uma jarra de água. Afinal, é preciso hidratar. O gerente, um sujeito que parece uma versão ainda mais nerd do Bill Gates, se ofereceu pra buscar. Quando me entregava a jarra, gentilmente me avisou que eu também poderia beber água do banheiro, que é potável.
Quase falei pra ele que o cachorro estava acomodado no outro quarto, esse negócio de beber água da privada não é muito a minha.
Por que disso?, perguntamos a francesa e eu.
''Ah, é que algum tempo atrás um hospital foi processado por conta disso. O médico havia dito o sexo do bebê e os pais prepararam tudo, roupas, quarto, brinquedos... E o médico errou. Ele disse uma coisa e foi JUSTAMENTE O CONTRÁRIO...''
''Interessante. Sempre achei que nessa parada de informar o sexo do bebê, todo o erro seria justamente o contrario... Pelo visto há mais de uma opção aqui''.
Eu mereço...
Jaqueline Costa
É Gente Que Faz – Mal-Feito, mas Faz